Para Maria Cristina

“Mas as pessoas ainda compram agenda de papel” foi ouvindo frases encorajadas como essa que criei o Trent Planner em 2017.

O desejo era de fazer 500 unidades, afinal, se eu desejava aquela agenda que habitava meu imaginário, outras pessoas deveriam sentir o mesmo. Receosa, imprimi 50. Esgotaram em uma semana. Resultado: até o natal a minha rotina era encomendar remessas de 50 para vê-las esgotarem em seguida. 

E, de lá para cá, pouca coisa mudou: todo ano aumentamos a quantidade produzida e todo ano esgota. Mas por que não fazer mais? Primeiro: não trabalhamos com estoque infinito e, segundo, nosso trabalho é feito à mão. 

Este ano, nos empenhamos para ter um aumento considerável na produção, mas ainda firme aos nossos valores.

Em 2019, decidi que todo ano o Trent Planner passaria a ter um tema, algo que inspirasse MH, pessoa física e jurídica. Já tivemos o tema arquitetos, artistas plásticos e artistas brasileiros.

Fim de janeiro de 2022, época em que as pessoas ainda estão dizendo “feliz Ano Novo” umas às outras, na MH Studios, já estamos trabalhando no ano seguinte: qual seria o tema do Trent Planner 2023? Eu já sabia muito bem o que queria: comida. 

Grande parte de vocês sabe desse meu amor/ compulsão. Por comer, claro. Já que na cozinha eu só sirvo para queimar ovos, literalmente.

Tema definido, mas o que faríamos exatamente? Homenagearíamos chefes? Falaríamos de restaurantes no mundo? Receitas? Eu não sabia. Mas uma certeza eu tinha: se o tema para 2022 foi a semana de arte e criamos a galeria de arte da MH Studios por um dia; escolhido o tema comida, criaríamos o meu restaurante dos sonhos! 

Mas onde? Com que chef? Como é de praxe na MH Studios, precisava ter sentido, sinergia.  Não poderia ser qualquer lugar, não poderia ser qualquer pessoa. Só poderia ser ela. Essa  esposa, mãe de 2 (até então), fazedora, chef talentosa e por aí vai…

Não nos conhecíamos, mas enviei uma mensagem falando que queria apresentar um projeto e marcamos de nos encontrarmos. Renata chega esbaforida e diz “acabei de descobrir que estou gravida”. Gente, como essa mulher consegue? E, na sequência, comecei a contar os dedos por debaixo da mesa: ela estará prestes a ter filho exatamente quando planejo dar vida ao restaurante? E lá estava eu para sugerir uma loucura. Contei a ideia. Ela arregalou os olhos, “isso seria uma loucura, a gente teria que isso, que aquilo…”

mas responde: eu devo ser muito louca mas disso que eu gosto. Vamos e a gente se vira. O restaurante se chamaria MHANZETTO.

Se já ali achamos que o trabalho de criar a experiência de um restaurante totalmente novo por 3 dias seria complexo e insano, mal sabíamos o que nos aguardava. E que bom que não sabíamos. 

Eis que o mês de junho chega e, com ele, o meu prazo para enviar o texto da minha carta introdutória ao Trent Planner. E eu só soube descumprir esses prazos. Há muita coisa que eu poderia escrever sobre a minha relação e paixão por comida e eu até cheguei a começar, mas nada era exatamente o que eu sentia vontade de dizer. O problema é que nem eu sabia o que estava no meu coração para, na sequência, colocar em palavras. E se não fosse para vir do coração…preferiria nada dizer. E assim o fiz. 

Imprimimos o Trent planner sem a carta.

Na obra Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust descreve detalhadamente o momento em que mergulha uma Madeleine em uma xícara de chá, desencadeando um processo de lembranças que dá vida ao seu passado. Cerca de 110 anos depois, sem chá e sem Madeleine, mas com um álbum de fotografias em mãos e embora essa não fosse a minha intenção, era eu que desencadeava um processo de lembranças. Ou seria processo de autoconhecimento? Muito 

E de repente, tudo se descortinou na minha frente: através das fotos dela, dos seus trejeitos, paixões, hábitos e manias, reconheci as minhas próprias  “Como você só se deu conta disso agora, Maria Helena?”

Semanas depois refletindo sobre tudo aquilo e colocando as emoções e pensamentos em ordem: liguei para a Vanzetto e, um pouco encabulada, comecei: fique a vontade para dizer não mas, vou abrir aqui meu coração para você: eu queria trocar o nome do restaurante.

Da mesma forma como Proust foi transportado para seu passado através de uma simples Madeleine e xícara de chá, aquelas fotos me transportaram para as memórias da minha infância e criação e desencadearam um processo de visão sobre mim. E sobre ela.  

Passei a minha infância, adolescência e vida adulta ouvindo elogios a ela. Fosse pela beleza, pela personalidade, pela inteligência, pelo humor e eu sempre reconheci todas essas coisas nela, como mulher. Mas foram precisos 34 anos para que de repente eu percebesse de forma muito nítida a influência e peso - no melhor sentido da palavra - da personalidade dela sobre mim. 

Minhas manias, minhas paixões, minha forma de enxergar a vida…tanta coisa eu achava ter vindo do nada, mas nada vem do nada. E às vezes leva tempo para a gente perceber determinadas coisas.

O restaurante dos meus sonhos e que carrega o nome da mulher que abriu o meu apetite e curiosidade pela comida, que insistiu para que eu provasse todas as comidas, nas suas mais variadas texturas, sabores, cores, que insistiu em me mostrar filmes, músicas, exposições, artistas "não me interessa se você acha chato, você precisa conhecer e ter uma opinião”. Da mulher que abriu meu apetite para muito além da comida, mas pela vida criativa e, sobretudo, pela vida. E que é o meu maior exemplo de coragem e apetite para ser quem se é. 

O apetite que não foi passado só por sangue, mas por escolha, insistência e dedicação. 

Sejam bem-vindos à Osteria Maria Cristina. Mamuska, essa homenagem é pra você.

Obrigada Renata Vanzetto e time por terem entrado de cabeça neste projeto.

Ao time MH Studios: obrigada por toda dedicação. De novo, ninguém chega a lugar nenhum sozinho e nada disso seria possível sem a ajuda de cada um de vocês.

Bom apetite a todos!

Com carinho,

Maria Helena.